O que mais a femove?

No século passado (sem exagero) a Nancy e eu íamos morar no interior do estado. Mais precisamente na região rural da cidade da Lapa.
Ao longo dos sete anos que durou nosso calvário para comprar uma propriedade e construir uma casa naquele… bem… lugar (vou ser delicado), presenciamos cenas, comportamentos e atitudes inacreditáveis.
Perto do lugar onde estávamos construindo existe um ponto que é mais do que simplesmente a intercessão de duas estradas. É um ponto onde a razão abandona o curso da história e a fé cega conduz o viajante para um beco sem saída.
Para quem decida ir da Lapa para Quitandinha (59 km da capital) usando a Estrada do Peripau, que passa ao lado da represa da Sanepar, 10 minutos depois de sair do asfalto vai encontrar um lugar chamado Campo de Telha. São três casebres de madeira do lado esquerdo da estrada e uma construção de alvenaria plantada ali, no meio do nada, como se sua única finalidade fosse dividir a estrada em duas.
Quem continua pela estrada principal, depois de muitas curvas, fazendas e buracos, chega em Quitandinha. Em seguida, encontra uma estrada asfaltada onde o viajante pode escolher o caminho que desejar. Depois das muitas outras curvas, o mundo.
Quem decide seguir pela estradinha à direita, vai subir um morro. São poucas as curvas, a distância não assusta e, apesar de ser um aclive, a promessa da vista lá do alto, serve de estímulo. Mas, e depois da rápida jornada e da vista bonita? Mato fechado. Não existe mais estrada. Não existe opção. Só a promessa de uma vista bonita pelo resto da vida e, claro, a possibilidade do viajante escolher pular do alto do morro.
A edificação de alvenaria na Estrada do Peripau costumava ser uma escola rural. Ainda se pode ler em uma das paredes, meio apagado – Escola Rural Municipal Monteiro Lobato – Lapa, ao lado de um gigantesco ninho de marimbondos.
O senhor João Maria, morador de uma das casas vizinhas da ex-escola, disse que ali “ninguém aprendia nada”. É o mesmo relato que se ouve em tantos lugares do Brasil: uma sala de aula, um professor e alunos de todas as séries misturadas. Fica claro porque ninguém aprendia nada. Em meados de 1999 a “escolinha”, como era conhecida na região, fechou.
Funciona ali agora, aos domingos, uma escola de catequese. As mesmas crianças agora contam somente com o ensino religioso. Não importa mais a matemática, a história, a geografia, a literatura e a língua portuguesa. Não importam mais as ciências. “Prá que isto tudo? A gente tem a fé. Interessante notar que os bancos onde os alunos se sentavam estão de costas para o quadro negro e de frente para uma mesa onde senta a pessoa responsável pela catequese.
Claro. Por que aprender? Por que conhecer? Por que entender? Raciocinar? Deduzir? Perguntar? Questionar? Não. A fé resolve tudo. Fé cega. Fé que cega. A imposição de dogmas sempre foi a maneira mais fácil de dominar as pessoas. Isto é feito desde a idade média. Retire a cultura, retire a instrução, retire a capacidade de pensar. Este é o terreno fértil para os dogmas. Mas falta ainda ministrar doses generosas de medo, culpa e a noção de pecado. E então só o que falta é dizer que, “apesar de tudo, existem pessoas e ensinamentos que livram você do sofrimento, da dor, da angústia… do medo e do pecado”.
São pessoas que têm a coragem de dizer que todos nascemos impuros. Pecadores. Estigmatizados. Sujos. Pervertidos e afastados da luz e da verdade. E quem é que pode resolver nosso problema? Eles, é claro.
Um ditado popular afirma que a natureza detesta o vácuo. As autoridades abriram o espaço, fugiram às suas responsabilidades. Natural que “aventureiros lançassem mão” daquela posição. No Campo de Telha, às vezes, vem um ônibus para levar as crianças para estudar na cidade. Mas o local que ajudava a conferir ao Campo de Telha um senso de comunidade, de direção, de trabalho conjunto, não existe mais.
Aquelas pessoas não lutam mais pela cultura e pelo desenvolvimento do raciocínio. Agora eles têm a fé. Eles têm a bela vista do alto do morro. Mas algumas das pessoas já estão percebendo que a estrada os está conduzindo por um caminho onde cada vez mais o mato está se fechando. Eles estão percebendo que devem abrir os olhos, ou sequer poderão desfrutar da bela vista do alto do morro que, pelo que ouvem na ex-escola, está lá somente para os escolhidos.
É claro que deve haver ensino religioso. Mas ele não deve ser um conjunto de regras a ser seguido cegamente. Não existem dogmas, só fatos não explicados. O conhecimento gera responsabilidade e a solução para este problema se encontra neste binômio. Não existe só uma estrada, como não existe um detentor da verdade. Todas as crenças são aspectos, variações, tonalidades da Grande Verdade. Deus seria muito mesquinho se permitisse que toda a humanidade pudesse compreender sua grandeza e ter um vislumbre de sua beleza e variedade do alto de somente um morro. Existem colinas, serras, montanhas, cerros, montes, outeiros…

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1 Response to O que mais a femove?

  1. Rosangela says:

    Olá Fábio!!!!!!
    A fé remove tudo o que quiser!!!!
    Principalmente a fé cega, aquela que não precisamos ver pra quer, apenas acreditar!!!!!!!
    Um beijo e um ótimo dia!!!!!
    Rô.

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