A Clone – por Mylton Severiano

O mais legítimo sentido do título da atual novela global de Glória Perez configurou-se dia 15 de janeiro de 2002 e capítulos seguintes. Os atores nos propiciaram momentos sublimes da história universal da empulhação.


A seqüência constituiu aquilo que os marketeiros chamam de merchandising: propaganda disfarçada. Nos intervalos, comerciais com Roseana. Na novela, os atores se esmerando em dizer quão maravilhoso é o Maranhão. Que céu, que natureza, que povo, que tudo. Nada se iguala. Crianças brincando, lavadeiras sorridentes. Bumba-meu-boi. Só alegria! Tudo pago com dinheiro do povo maranhense, o mais pobre do Brasil conforme o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
Outro dia, encontrei colega do ramo da televisão. Vamos chamá-lo de Rei. A mídia ainda não falava em Roseana. Ainda não a haviam enfiado nas pesquisas “estimuladas”. Mas entre os que trabalham com jornalismo e
atividades afins já se especulava sobre qual mágica as elites aprontariam em
2002 para abater o velho freguês do PT. Alguém na roda lembrou Roseana:
“É mulher, é bonita, não é queimada…”
O Rei me chamou de lado e contou. Faz uns dois anos, ele esteve em São Luís com equipe de tv gravando Roseana, para programa do PFL. O diretor de cena sugeriu:
“Governadora, que tal sairmos do gabinete? É ambiente frio, artificial.” Da janela do palácio, mostrou a multidão de maranhenses passando na rua: “A senhora podia ficar lá no meio do povo…”
Roseana cortou rente:
“No meio do povo?”
Fez muxoxo de nojo, como quem diz “aquilo fede”. E gravou no gabinete perfumado, no bembom do ar refrigerado. O diretor ficou de, mais tarde, esquentar a cena, providenciando o povo ao fundo, por meio de truque eletrônico. Povo virtual.
Assim que surgiu o “fenômeno Roseana”, em milhões de cabeças brasileiras veio a comparação com o “fenômeno Collor” Alguns paralelos:
– ricos e bonitos
– filhos de oligarcas
– formados em Estados miseráveis onde as elites cevam a perpetuação do poder
na miséria do povo
– família detentora do monopólio da comunicação regional, dominando
principais jornais, rádios e tvs, principalmente as afiliadas estaduais da
Rede Globo
– lançamento do “fenômeno” com apoio de profissionais da propaganda, tal
como se vende qualquer “novo” produto
– leniência, complacência, estímulo, cumplicidade e apoio da mídia gorda
– capa da Veja abrindo caminho (Collor: caçador de marajás; Roseana: o
fenômeno)
– apoio da Rede Globo
O clã Sarney vem governando há quase 40 anos o Maranhão. Pense num país
desgraçado. Suazilândia. Em quesitos como mortalidade infantil, analfabetismo e IDH (Índice de Desenvolvimento Humano), estão parelhos Sarneylândia e Suazilândia. Pela gordura dos cachorros se conhece o dono.
Conversei com dois colegas jornalistas maranhenses, o jovem Fábio Lopes e o veterano Chico Vianna, este também médico. Faz gosto sentir a indignação com que reagem à estratégia ora tentada para transformar a olicarcazinha em estadista. Alguns tópicos da conversa telefônica com os dois:
– O governo Roseana bancou a produção da seqüência da novela em terras
maranhenses, deslocamento e hospedagem para 20 pessoas, fora imagens aéreas.
– Roseana, diz Fábio, não se sustenta num debate, “é despreparada”. Incapaz
por exemplo de se manifestar sobre a Alca.
– Em sete anos de governo, Roseana não construiu sequer uma sala de aula,
não ampliou o sistema de saúde pública em sequer um leito; “a saúde está um
caos”, diz Chico.
– Imprensa, rádio e tv vivem em “promiscuidade” com o governo e as elites,
esquema que vem sendo montado há anos: “Cercaram a moita”, diz Chico, que
garante: “Noventa por cento dos colegas que cobrem a Assembléia estão na
folha.”
– A “amizade” dos Sarney com a Globo segue o “é dando que se recebe”,
lembram-se? Dois exemplos:
1. A Secretaria da Educação diz que não é necessário construir escola, graças ao miraculoso ensino à distância. Ao custo de R$ 114 milhões, a Fundação Roberto Marinho implantou lá o tal ensino. “Se o IBGE fizer um estudo, dá todo o Maranhão com segundo grau. Mas cada fita tem 15 minutos, para aulas de uma hora, o resto do tempo o aluno fica flanando. Tem professor de História em sala de Matemática. É uma esculhambação”, diz Chico. “E o Brasil não sabe.” Chico fez as contas, superestimando custos, apurou no máximo R$ 58 milhões. Ou seja, lucro de R$ 56 milhões para o “doutor Roberto”.
2. Dos R$ 10 milhões de verba para o Campeonato Sul-Americano de Vôlei,
foram R$ 8 milhões para o evento. E R$ 2 milhões para divulgação Onde? Na
Globo, que pertence à família da candidata a estadista.
Chico falou mais de meia hora ao telefone. Diz que, com mais tempo, tem muito mais a relatar. O caso dos aviões, das estradas… Tal como na ascensão de Collor, parece que a mídia gorda não está a fim de mostrar nada. Treze anos atrás, o “doutor Roberto” disse que apoiava Collor porque era o mais “moderno”. Agora começa a apoiar Roseana, a clone. Deve ser tão moderna quanto foi o Collor.
Puxa vida. Vão ser modernos assim no quinto dos infernos.

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3 Responses to A Clone – por Mylton Severiano

  1. Rafiza says:

    Fábio, há algum problema com seu e-mail. Verifique, pois tenho um texto a lhe mandar…

  2. Francisco Domingos says:

    Muito bom

  3. Chafi says:

    É mesmo incrível. O povo brasileiro, depois deste período de amadurecimento vivido no governo FHC, continua em busca de heróis/heroínas. Acho que não aguento a versão feminina do Collor….

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